Mostra de Cinema Negro no CCBB
Geralmente quando nos deparamos com um mapa geopolítico num jornal, numa revista, num livro escolar ou numa enciclopédia, vemos a Europa em primeiro plano. Trata-se de uma ilustração arbitrária cujas origens estão no primeiro movimento colonialista mundial, no século XVI. Depois veio o colonialismo da Segunda Revolução Industrial e, no século XX, o imperialismo norte-americano. Como os Estados Unidos também se situam no Hemisfério Norte, os livros continuaram a representar os Estados Unidos e a Europa como estando literalmente no centro do mundo.
Mas poder-se-ia imaginar outras representações, como, por exemplo, a África, a Ásia ou a América Latina em primeiro plano. Essas arbitrariedades se estendem, como sabemos, a outras ilustrações, teorias e ideologias, todas elas moldadoras e pretensamente justificadoras da dominação dos mais fortes sobre os mais fracos. Assim afirmaram-se os colonialismos, os imperialismos, o Cristianismo, os racismos e assim se afirma hoje, mais do que tudo, a cultura de massa.
O século XX assistiu, mais que nenhum outro, a um número imenso de tragédias, genocídios, conquistas científicas, políticas e artísticas. E viu levantarem-se as vozes de muitas minorias e grupos oprimidos: dos camponeses russos, das mulheres, dos que não tinham direito de votar, dos homossexuais, das lésbicas, dos transsexuais. E dos negros. As imagens dos bancos públicos, banheiros e calçadas exclusivas para brancos, no sul dos Estados Unidos, ainda não se apagaram de nossa memória.
Malgrado as conquistas no campo da política, um problema persiste com frequência na história da arte. Dá-se a voz ao oprimido, mas ele fala pela boca do opressor. Caso ilustrativo dessa realidade é o cinema latino-americano. O retrato do miserável, do favelado, do analfabeto, da tragédia do “tercer mundo” é mostrada, na maioria das vezes, pelas lentes de diretores que vieram da burguesia. O filme AGARRANDO PUEBLO – OS CINEASTAS DA MISÉRIA, do colombiano Luis Ospina faz uma brilhante análise dessa contradição. E Arnaldo Jabor, entre outros diretores do Cinema Novo, volta e meia reconhecem também em suas colunas o “mea culpa”.
Nesse contexto, vale conferir mais uma das espetaculares mostras de cinema que o Centro Cultural Banco do Brasil oferece ao público paulistano. Trata-se da Mostra OSCAR MICHEAUX – O CINEMA NEGRO E A SEGREGAÇÃO RACIAL. Micheaux foi um diretor que realizou 48 filmes entre os anos 30 e 50, todos de baixíssimo orçamento. Retratou o cotidiano dos negros a partir de uma ótica que era também a da sua realidade. Daí o valor dos seus filmes. Nada de glamourização, de épicos ou de clichês. Histórias de amor, preconceito, pastores, perseguições, criação artística e crises. Tudo flagrado na poética crua da vida cotidiana.
Entre os títulos, destacam-se CORPO E ALMA, SWING e SUBMUNDO. A Mostra é enriquecida pela reprise de clássicos relacionados ao negro, como O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO, de D. W. Griffith, além de filmes importantes dirigidos por outros diretores, como o recente documentário, de 2007, NA SOMBRA DE HOLLYWOOD – RACE MOVIES E O NASCIMENTO DO CINEMA NEGRO, de Brad Osbourne, no qual aparecem imagens e depoimentos, entre outros, de Sonia Braga, Andrzej Wajda e Margarethe Von Trotta. Alguns filmes, pela dificuldade de se obter as cópias, serão exibidos em dvd.
LOCAL: Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112 – Centro
QUANDO: de 23 a 29.07
QUANTO: R$2,00 a meia entrada (para os filmes em película) e entrada franca (para os filmes em dvd)
Enquanto o Brasil se mobiliza em torno de tantos protestos – contra a corrupção, contra os gastos com a Copas, contra a falta de moradia, contra a precariedade da saúde… – é importante não fechar os olhos para outras necessidades ainda não equacionadas, como, por exemplo, a a gritante discrepância entre negros e brancos nas mais diferentes instâncias da vida pública e privada.
PROFESSOR CÉSAR VERONESE (CPV)
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