MAURICE PIALAT: Retrospectiva no CCBB
Como já foi comentado neste blog, há vários anos o Centro Cultural Banco do Brasil vem se destacando como talvez o melhor espaço de programação de cinema do país. Retrospectivas de peso, presença dos diretores, palestras, cursos e catálogos de até 400 páginas com a compilação de textos raros e inéditos no país sobre os cineastas homenageados asseguram a excelência da programação.
Entre tantos nomes consagrados, neste ano foram contemplados Jonas Mekas, Aleksandr Sokurov, Jacques Rivette e Rithy Panh. Sem falar do resgate de nomes menores, como Oscar Micheaux, mas de indiscutível importância histórica no capítulo do cinema negro nos Estados Unidos. Some-se a isso outras mostras dedicadas a cinematografias de países absolutamente fora do circuito comercial, como a excepcional mostra GERAÇÃO PRAÇA MOSCOU voltada para o cinema húngaro contemporâneo.
E, para fechar o ano com chave do ouro, o CCBB brinda o público paulistano com uma mostra quase completa do diretor e ator francês Maurice Pialat, mais conhecido do público brasileiro por produções como SOB O SOL DE SATÃ (vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 1987) ou de maravilhas como VAN GOGH.
Como em todas as artes, é possível pensar os artistas a partir de dois grupos maiores: os repetidores de fórmulas e os criadores originais. Os primeiros dispensam comentários. No outro grupo, estão os inquietos e inventivos. A inventividade cria marcas peculiares, discursos individualizados, diferenças capazes de tornar o trabalho de um artista algo inconfundível. Cria, em suma, um estilo. Mas nenhum cineasta ou qualquer outro artista é capaz de conceber obras inteiramente originais. Daí a “angústica da influência”, título, aliás, de um célebre livro (destinado a especialistas em literatura inglesa) do crítico americano Harold Bloom.
O cinema, embora tenha apenas um século de vida, produziu uma vasta galeria de autores inconfundíveis. Do impressionismo dos irmãos Lumière à linguagem do dogma dos dinamarqueses, conhecemos, entre tantos, a vertigem da montagem dos filmes de Vertov, o neorealismo italiano, o cinema de poesia de Pasolini, o cinema práxis de Glauber Rocha, o frescor da Nouvelle Vague (e todos os seus desdobramentos) etc. etc. (Ao leitor não muito iniciado na linguagem cinematográfica, recomendo a leitura de AS TEORIAS DOS CINEASTAS, de Jacques Aumont).
Na contramão de tantos estilos e teorias está Maurice Pialat. Seu cinema salta todas as teorias (não no sentido de ignorá-las mas de, algum modo, transcendê-las), despreza conscientemente a ideia de obra acabada e nega qualquer tipo de totalização. Como se ele dissesse que importa-lhe, acima de tudo, o material bruto. Seu estilo se constrói, assim, pela ausência de um estilo. Há a perseguição de uma incompletude, na qual o não dito pode dizer mais que um monólogo ou diálogo aparentemente essenciais. Ou, então, uma cena secundária, na qual um personagem secundário pode ter um significado mais importante do que qualquer outra cena teoricamente essencial.
Essa técnica feita de anti-técnicas se estende a todos os outros elementos dos seus filmes. Os planos são programadamente mal iluminados, a sonoplastia intencionalmente “suja”, as cenas construídas no corpo-a-corpo do cineasta com os atores. Improvisos elaborados, consciente desprezo por qualquer sistematização, flagrantes da brutalidade da vida que, como dizia Nelson Rodrigues, não é bombom com licor. Por isso, seus personagens nunca têm um projeto de vida. São, antes, clivados nas intensidades da violência, das paixões, da amargura e da desilução.
No pequeno, porém instrutivo, catálogo distribuído pelo CCBB, o crítico Luiz Carlos de Oliveira Jr, numa pontual análise intitulada “Toda a Tristeza do Mundo”, sintetiza bem as propostas de Pialat: “Registrar a autenticidade de um gesto, de um olhar ou de uma entonação é muito mais importante para Pialat do que conceber enquadramentos rebuscados, movimentos de câmera virtuosos ou dispositivos cênicos complexos. (…) O estilo-Pialat é tão somente sua maneira particular de atacar o real, seu olhar direto e nada indulgente para tudo o que está diante da câmera”.
A retrospectiva contempla a quase totalidade dos filmes de Maurice Pialat e oferece também a oportunidade de vê-lo atuando como um grande ator. O arco que se desenha vai do longa de estreia, A INFÂNCIA NUA (1968) ao filme derradeiro, O GAROTO (1995), passando pela unanimidade de crítica AOS NOSSOS AMORES e por obras-primas como VAN GOGH e NÓS NÃO ENVELHECEREMOS JUNTOS.
Entre as pérolas da mostra, está o conjunto de curtas rodados no início dos anos 60 sobre a cidade de Istambul, e que destoam de toda a cinematografia de Pialat. Nesses curtas as narrativas são tecnicamente amarradas. Mas os olhares já antecipam a marca do diretor e se distanciam dos clichês históricos e turísticos. O programa é constituído por: O ESTREITO DE BÓSFORO, PEHLIVAN – OS LUTADORES TURCOS, ISTAMBUL, BIZÂNCIO, O CHIFRE DE OURO e MESTRE GALIP. Este último procura compor uma atmosfera de Istambul a partir dos poemas de Nazim Hikmet.
Uma sugestão que pode tornar esses curtas particularmente interessantes é a leitura do saboroso livro de memórias ISTAMBUL, do escritor turco e Prêmio Nobel Orhan Pamuk.
ONDE: Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112 – Centro
QUANDO: de 11 a 29.12.13
QUANTO: 2,00 (a meia entrada)
Em época de tantas árvores de Natal confeccionadas com garrafas pet, e tantos desempregados fazendo “bicos” em lojas dentro de uma fantasia vermelha com barbas postiças sob o sol de 35 graus de dezembro, entremos na amargura autêntica dos filmes de Pialat.
PROFESSOR CÉSAR VERONESE (CPV)
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